EVANGELHO E CULTURA EM ERIC VOEGELIN
veritasperpetua
03 janeiro
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Evangelho e cultura em Eric Voegelin
Jhonathan Taborda
ENSAIOS PUBLICADOS 1966 – 1985 (ERIC VOEGELIN)
Capítulo 7 – Evangelho e Cultura
“A Cristandade não é uma
alternativa à filosofia, é a própria filosofia em seu estado de perfeição” [1]. Voegelin, em seus ensaios, no capítulo Evangelho e Cultura, nos mostra a relação entre a
cultura helênica e a dispersão do Evangelho no “mundo” grego, e a relação
inversa que temos hoje na sociedade “moderna”. O filósofo se pergunta porquê o Evangelho não é aceito atualmente e busca nas raízes históricas o porquê da aceitação do Evangelho pelos povos antigos, principalmente aqueles que foram colonizados pelos gregos, o que é de
fundamental importância, porque o nascedouro da Filosofia foi em Atenas e os
povos que estavam em contato com a cultura helênica de alguma forma absorviam
sua cultura, as vezes mesclando nelas partes da cultura helênica, pois assim
diz: “O Evangelho parecia oferecer a resposta para a busca do filósofo pela
verdade”[2]. Essa verdade que já em Aristóteles identificava-se pela busca
do conhecimento, que em seu argumento “Todos os seres humanos naturalmente
desejam o conhecimento” [3], nos mostra o que Voegelin identificou como
ausência na sociedade atual.
O Evangelho não é aceito porque houve uma
deformação da razão em nome da própria razão, essa deformação causou uma repulsa
pelo Evangelho e, por consequência, uma repulsa pela própria razão. No entanto, no
período dos Apóstolos os povos helênicos compreendiam que havia uma Ordem no
Cosmos independente dos deuses de seus antepassados, essa visão de um ordenamento
superior aos deuses culminou na comprovação da
Via Racional da Existência de Deus em Aristóteles, e depois na Alta Idade
Média, em Santos Tomás de Aquino na Summa contra o Gentios. Essas vias
possibilitam ao homem entender que há um Logos divino, este que ordena todas as
coisas, no entanto, as vias são deficientes porque não nos revelam tudo sobre
Deus. E quem faz esse papel de nos revelar com perfeição é o Evangelho, por
isso sua aceitação foi plausível, pois já se entendia que havia um ordenamento,
embora não se soubesse quem Ele era, o que se comprova com a passagem do Livro dos Atos
dos Apóstolos, em que São Paulo diz:
“ Cidadãos atenienses! Vejo que, sob todos os aspectos, sois os mais religiosos dos homens. Pois percorrendo a vossa cidade e observando os vossos monumentos sagrados, encontrei até um altar com a inscrição: ‘Ao Deus desconhecido’. Ora bem o que adorais sem conhecer, isto eu anunciar-vos” [4]
Assim inicia-se a difusão do Evangelho na sociedade
grega, aquilo que os filósofos procuravam agora estava à disposição e fora
revelado em Cristo que unifica os homens. Diz Eric Voegelin neste capítulo que a sociedade grega não era a única capaz de reconhecer esse Ordenamento do Cosmos:
“O mistério da presença divina na existência crescera na consciência do movimento muito antes de o drama do Evangelho começar; e os símbolos que os evangelistas empregam para sua expressão, o Filho de Deus, o Messias, o Filho do homem, o reino de Deus, estavam historicamente à mão através dos símbolos faraônicos egípcios, reis davídicos, proféticos e apocalípticos, através das tradições iranianas e dos mistérios helênicos. Portanto, o “segredo” do Evangelho não é nem o mistério da presença divina na existência, nem sua articulação através de novos símbolos, mas o acontecimento em sua compreensão inteira e a decretação através da vida e da morte de Jesus” [5].
Logo, a presença e os símbolos
inerentes a esse ordenamento já era evidente nas sociedades pré-cristãs, em que questões como vida e morte eram recorrentes, e onde a resposta para essas questões foi dada
em plenitude com a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Portanto, agora as
questões não eram mais materiais, ou seja, esse ordenamento não se encontrava dentro do Cosmos, mas fora dele e isso difere de qualquer outra “religião”,
pois com essa descoberta que Deus está fora do universo, se faz necessário uma
ponte até Ele, que é Cristo, já bem proclamado como o Caminho, a
Verdade e a Vida. Desse modo, só há uma religião possível, uma vez que apenas uma
“religa”; o homem preso no cosmos com a Divindade que está fora dele.
O autor
explica ainda mais, que a causa inicial da deformação da razão se deve à gnose, que ao olhar o mundo o vê como algo maligno e que o ser humano através do
conhecimento se liberta. Os sistemas gnósticos do século II são “um estado de alienação da realidade, que
devem ser mais precisamente caracterizados como um isolamento extracósmico da
consciência existencial” [6]. De forma geral, com o avanço da gnose na sociedade, se perde a noção do transcendental e, consequentemente, como a razão sozinha se afasta
da busca da Verdade, já não tem os símbolos míticos iniciais e, portanto, há bloqueio para a difusão do Evangelho. Da mesma forma ocorre com o Marxismo, que observa apenas o
mundo material e que com a libertação da estrutura destrói a superestrutura. Há neste caso, uma influência grande da gnose no marxismo que ao
avançar deforma a razão e tudo se torna disputa de poder entre proletariado e
burguesia.
Referências:
[1] Ensaios Publicados 1966-1985 – Eric Voegelin, Capítulo
7, página 218, Editora É Realizações.
[2] Ensaios Publicados 1966-1985 – Eric Voegelin, Capítulo
7, página 218, Editora É Realizações.
[3] Metafísica – Aristóteles, Capítulo 1, página 42, Editora
Edipro.
[4] Bíblia de Jerusalém, Atos dos Apóstolos 17,22-23.
[5] Ensaios Publicados 1966-1985 – Eric Voegelin,
Capítulo 7, página 253, Editora É Realizações.
[6] Ensaios Publicados 1966-1985 – Eric Voegelin, Capítulo
7, página 261, Editora É Realizações.