Você já sentiu,
quando estava lendo um livro, que conversava com o seu autor? Como se o próprio
autor estivesse conversando com você, em um diálogo filosófico e com argumentos
convincentes? Foi assim que me senti lendo Ortodoxia. Eu admito que na quase totalidade
dos livros que leio, tenha essa sensação, de estar conversando com quem
escreveu o livro. Mas com "Ortodoxia", tal sentimento foi ainda
maior. O Sr. Chesterton tornou-se meu amigo, meu professor, e outras figuras
mais, durante a última semana em que li seu "livro de paradoxos" -
Ortodoxia.
Agora faço uma outra
pergunta: Você já sentiu, enquanto relia
um livro, que estava lendo um livro totalmente diferente? Como se o autor, ou
alguém, tivesse mudado as palavras e muito do conteúdo exposto no livro? Foi
assim que me senti relendo Ortodoxia. Essa sensação é impressionante, mas não
poderia ter sido diferente. O Sr. Chesterton, com sua escrita requintada,
poética, filosófica, direta e surpreendente, veio me falar verdades profundas,
durante a última semana em que reli "sua jornada em busca do óbvio".
Caso você ainda não
conheça esta figura incrível, que foi um dos mais influentes intelectuais do
século XX, Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) foi um pensador inglês,
renomado jornalista, escritor, poeta, filósofo, dramaturgo, teólogo, literário,
crítico de arte, e até ex-ateu e ex-socialista! Seu humor perene e fascinante
nada mais é que o resultado de uma infância prolongada, que admira e cativa
seus leitores.
Caso você pense
"UAU! Como eu não conhecia esse cara?!", não se surpreenda.
Chesterton é um escritor desprezado, apesar de seu brilhantismo intelectual. Na
realidade, levando em consideração o contexto em que estamos inseridos, é justamente devido ao seu brilhantismo
intelectual que ele é desprezado. Embora fosse facilmente percebido com seus 2
metros de altura e 140 quilos, o Gordo é dificilmente notado nas escolas e
instituições de ensino (principalmente aquelas que adoram se autointitularem democráticas). Afinal, seria de se esperar
diferente? Estamos falando de um pensador que criticou as maiores ideologias do
século XX! E que não apenas as "criticou", mas as derrotou com
argumentos simples e irrefutáveis.
Enfim, vamos à
Ortodoxia! Como já havia dito acima, a leitura que fiz do livro na última
semana foi uma releitura da obra, lida pela segunda vez nesse ano, e que fechou
com chave de ouro 2017. Inclusive, fiz um vídeo comentando um pouco mais sobre
essa obra, pelo qual pude alcançar muitos admiradores de Chesterton, graças a
Sociedade Chesterton Brasil que divulgou o vídeo em sua página. Caso você tenha
interesse em assistir, aqui está o vídeo:
Publicado
pela primeira vez em 1908, a obra retrata a jornada espiritual do jovem
Chesterton, que acreditando estar formulando uma heresia, acabou descobrindo
ser a velha ortodoxia. A obra também é resposta à um desafio e à provocações de
seus contemporâneos. Nas páginas de sua obra-prima, o autor apresenta uma
filosofia na qual acabou por acreditar, que como diz ele "Não a chamarei de minha filosofia, porque não
fui eu quem a fez. Deus e a humanidade a fizeram; ela me fez a mim"
(p.25)
Como já foi dito,
Chesterton foi ateu, e por mais incrível que pareça, não foi lendo relatos de
autores cristãos ou o próprio Livro do Cristianismo que ele se converteu, mas
lendo autores não-cristãos, ateus e até anticristãos. Pois, diante de tais
relatos ele indagou-se: "O que é esta
coisa extraordinária que todos estavam ansiosos por contradizer, sem mesmo repararem
que, assim procedendo, contradiziam a si próprios?".
É também disso que se trata Ortodoxia, sobre sua jornada que o levou ao
Cristianismo.
Nesta obra,
Chesterton vêm nos chamar, ou melhor, vem nos pegar pela mão e mostrar a
autodestruição em que as filosofias modernas estão condenadas. Vem nos
convidar, ou melhor, vem nos forçar a refletir e pensar filosoficamente sobre
diversos assuntos, sussurrando nas entrelinhas para não deixarmos nos seduzir
por pensamentos suicidas, mas para nos deixarmos ouvir a voz daquilo que clama
ser incorruptível, e por isso mesmo, eterno e transcendente.
É possível enxergar
refletido nas páginas que se seguem, um profundo desejo e comprometimento com o
conhecer e aceitar a verdade. Além disso, é possível enxergar críticas bem
fundamentadas contra o materialismo, determinismo, progressismo, relativismo moral,
e também ao socialismo e capitalismo, os quais ele expressa serem inimigos da
justiça e da liberdade.
Mas ao que
Chesterton não se opunha afinal? O que ele defendia? Ele defendia o homem comum
e o bom-senso. Defendia a liberdade, o pobre, a família, a beleza, o
Cristianismo e a Fé Católica. Pois, ao longo dos anos, Gilbert percebeu que
todas as suas convicções já haviam sido ensinadas pela igreja muito tempo
antes.
G.K Chesterton
inicia a obra declarando algo interessantíssimo sobre a sociedade em que
vivemos: "As pessoas não conhecem a fundo
o mundo em que vivem e, por essa razão, acreditam, cegamente, em meia dúzia de
máximas cínicas que estão longe de ser a expressão da verdade"
(p.31). Isso resume o que será abordando no primeiro capítulo,intitulado
"Os maníacos", e também muito do que compõe a obra, a qual ele inicia
com uma crítica em oposição às correntes de pensamento moderno.
O autor começa a
expor em palavras aquilo que encontrou em lugares tão inesperados, e que era
justamente o que tanto esperava encontrar: a verdade. Como dizia ele, a verdade
se encontra nos lugares em que menos esperamos, e assim o é muitas vezes de
fato. Dessa forma, Chesterton vem romper com o senso comum, desmentindo aquilo
que os livros de autoajuda atuais adoram propagar: de que o homem precisa
confiar em si mesmo. Em surpreendente oposição, o autor coloca que "a autoconfiança é uma das características mais comuns
de um fracassado" (p.32). Sendo objetivo de Gilbert com Ortodoxia,
responder à uma indagação feita a partir dessa polêmica afirmação: "Mas,
então, se o homem não acreditar em si mesmo, em que há de acreditar?". É à
isso que ele irá responder no decorrer das páginas que se seguem.
Uma outra
surpreendente afirmação, é a que diz que "a
imaginação não produz a loucura: o que produz a loucura é exatamente a razão",
sendo o louco, o "homem que perdeu tudo,
menos a razão". Seguindo tal ideia, é de forma magnífica e poética
que Chesterton encerra o capítulo dizendo que "a Lua é a mãe dos lunáticos e a todos eles deu o seu nome".
No segundo capítulo,
"O suicídio do pensamento", ocorre de maneira mais aprofundada a
crítica ao pensamento moderno, que ao meu ver, só existe devido ao que
Chesterton declara: que antigamente "o
homem podia duvidar de si mesmo, mas não duvidava da verdade. Agora, acontece
exatamente o contrário". É assim que ocorre o fenômeno de
autodestruição do intelecto humano.
Observa-se que todas
essas correntes de pensamento moderno são autodestrutivas, pois, acabam por
afirmar aquilo que negam em sua própria afirmação. Um exemplo disso é o
progressismo atual e o relativismo moral. Como coloca o autor, é comum ouvirmos
que "O que é bom em uma época pode ser mau em outra". Contudo, embora
isso seja verdadeiro, não podemos dizer que as mudanças que ocorreram foram um
aperfeiçoamento daquilo que antecediam tais mudanças, pois, se o padrão mudar,
como poderá haver um aperfeiçoamento, se todo aperfeiçoamento implica sempre em
um padrão que é previamente estabelecido?
Referente ao
progressismo atual, é comum vermos que a própria mudança é o objetivo e ideal
do progressista, mas, "considerada como um ideal, a própria mudança
torna-se imutável".
O terceiro capítulo,
intitulado "A ética da terra dos elfos", é uma parte muito importante
e central para a compreensão da obra. É aí que o autor faz uma relação entre
tradição e democracia, relacionando-os com os contos de fadas. Chesterton percebeu
que as grandes verdades foram aprendidas com sua babá, verdades contidas nos
contos de fadas; um mundo que é "o país ensolarado do bom senso".
Outro capítulo de
grande importância chama-se "Paradoxos do cristianismo". Como foi
revelado acima, Chesterton se converteu lendo relatos de autores não cristãos e
anticristãos a respeito da Fé, por isso ele declara:
"[...] logo uma lenta e horrível impressão gravou-se, gradual mas graficamente, sore o meu espírito - a impressão de que o Cristianismo devia ser algo extraordinário. De fato, o Cristianismo (como eu entendia) tinha os mais violentos vícios, mas tinha também, aparentemente, o místico talento de conciliar defeitos que pareciam incompatíveis entre si" (p.130)
Um desses paradoxos
é que o Cristianismo é acusado de ser demasiadamente pessimista e otimista
demais.
"O paganismo declarou que a virtude estava no equilíbrio, e o Cristianismo veio declarar que ela estava no conflito: na colisão de duas paixões aparentemente opostas" (p.141)
Ser mais presunçoso
do que jamais fora e ser mais humilde do que nunca. Morrer para viver. Odiar o
pecado e amar os pecadores. O Cristianismo veio separar o crime do criminoso, o
pecado do pecador; veio, sendo desde o início, um sinal de contradição.
Chesterton terminará
a obra discorrendo sobre o paradoxo primário do Cristianismo, aquele que está
relacionado com o Pecado Original, que nos mostra que o próprio normal é uma anormalidade, e que mostra que aquilo que nunca conhecemos é mais natural para
nós do que nós mesmos.
Sem dar
"spoiler" e acabar com a maravilhosa surpresa do leitor ao deparar-se
com o encerramento incrível deste livro, também incrível, apenas darei uma
"sinopse" daquilo que o aguarda ao fim de Ortodoxia. Lá, nas últimas páginas, Chesterton revela aquilo que é segredo para os cristãos e que o
próprio Cristo guardou como segredo também...
"Os estóicos, antigos e modernos, orgulham-se de esconder suas lágrimas. Ele (Jesus) nunca ocultou as Suas; sempre mostrou-as, claramente, a escorrer por Suas faces francas, perante qualquer cena diária ou perante a vista longínqua da sua terra netal. Havia, no entanto, alguma coisa que Ele ocultava" (p.235).
O que era este tal
segredo que Chesterton desconfiava ser?
Termino esta resenha com esse questionamento para despertar naqueles que ainda não leram a obra, um pouco de curiosidade.
Ortodoxia é uma
verdadeira obra de filosofia, que merece ser lida e relida, apreendida e transmitida.
Nome: Ortodoxia
Autor: G.K.Chesterton
Editora: Ecclesiae
Nº de páginas: 280
Olha moça, eu sou novo aqui mais já gostoi. É obrigado por essa publicação do grande Chesterton!
ResponderExcluirResenha maravilhosa. Vou adquirir sim! Já é um dos preferidos haha.
ResponderExcluirObrigada Beatriz 😍❤